Por Miguel Martins
Os casos de corrupção investigados pela Lava Jato são importantes para entender o desânimo da população com a classe política e sua possibilidade de renovação, mas há outro fator que promete ser essencial nas eleições de 2018: os brasileiros demonstram cada vez mais cansaço com promessas não cumpridas.
Segundo uma pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a honestidade na campanha é a característica mais importante que os eleitores procuram nos candidatos às eleições deste ano. De acordo com o levantamento, 87% exigem que os postulantes a cargos públicos não mintam na disputa. Em seguida, desponta a preocupação com a ficha limpa dos concorrentes: 84% exigem que eles nunca tenham se envolvido em casos de corrupção.
A desilusão com promessas não cumpridas está longe de ser uma novidade da política nativa, mas casos recentes de guinadas drásticas do discurso de campanha à atuação no cargo estimulam o desânimo do eleitor. É o chamado “estelionato eleitoral”, uma crítica que recai sobre a esquerda ou a direita.
O mais recente episódio ocorreu com João Doria, prefeito de São Paulo. Nesta terça-feira 13, o tucano confirmou que participará das prévias do PSDB para a escolha do candidato da legenda ao governo de São Paulo. A decisão foi criticada por muitos de seus seguidores nas redes sociais, pois o prefeito prometera durante as eleições de 2016 que cumpriria os quatro anos de mandato.
Mesmo após assumir, Doria continuava a garantir que não deixaria o cargo, e chegou a cravar que não disputaria a reeleição (nesse caso, ao menos, não mentiu). Com sua decisão, ele repetiu a trajetória de seu correligionário, o senador José Serra, que deixou a prefeitura em 2006 para se lançar na disputa ao governo de São Paulo.
Outro exemplo recente é o de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais de 2014. À época, a ex-presidenta foi criticada, inclusive por setores da esquerda, de ter omitido de sua campanha o ajuste fiscal que aplicaria tão logo iniciasse seu novo mandato. Durante o pleito, Dilma defendeu a continuidade de uma política desenvolvimentista, mas não alertou a população para a necessidade de ajustes nas contas públicas se fosse reeleita.
Criticas semelhantes às sofridas por Dilma atingiram também o presidente Fernando Henrique Cardoso em 1999. Logo após ser reeleito, o tucano passou a aplicar um ajuste fiscal e liberou o câmbio. Artificialmente atrelado à cotação do dólar, o real sofreu uma grande desvalorização. Houve inclusive setores da oposição que entraram com pedidos de impeachment contra o tucano.
Até mesmo José Sarney, que sequer foi eleito presidente pelo voto popular, também já foi acusado de “estelionato eleitoral”. Em 1986, o presidente eleito pelo Congresso gozava de grande popularidade em razão de seu Plano Cruzado, que reduziu em um primeiro momento a inflação e congelou preços de alimentos, combustíveis e até do dólar.
Nas eleições parlamentares daquele ano, o PMDB elegeu sozinho 53% dos deputados federais. Seis dias após garantir uma confortável base no Congresso, Sarney lançou o Plano Cruzado II, que liberava o congelamento de preços. O resultado foi uma hiperinflação galopante e uma queda vertiginosa na popularidade de Sarney.
Tentativas de punir o “estelionato eleitoral” tramitam no Congresso. Desde 2004, avança a passos lentos na Câmara um projeto contra promessas não cumpridas, de autoria do deputado Wladimir Costa (SD-PA), famoso por ter feito uma tatuagem de henna em homenagem a Michel Temer no ano passado.
No texto original, o deputado sugeria uma pena de detenção de dois meses a um ano, além de multa, para quem, em proveito próprio, realizasse projetos de investimentos nos estados e municípios mesmo sabendo que o cumprimento da promessa é inviável.
Relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) considerou a proposta inconstitucional. Segundo o deputado, ela carece de razoabilidade, pois exige que as promessas de campanhas tenham de ser registradas antes do início da disputa. Recentemente, Mendonça ironizou a proposta, ao afirmar que a única mudança seria a troca da expressão “vou fazer” por “vou tentar fazer”.
Embora muitos brasileiros clamem por honestidade, é difícil imaginar que um candidato se eleja sem promessas de campanha, mas com garantias de que tentará ao máximo aplicar suas ideias e seu programa de governo. A verdade pode ser muito impopular.
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Para onde nos leva a desilusão eleitoral?