Por José Antonio Lima
Deflagrada pela primeira vez em 2014, a Operação Lava Jato se notabilizou pelas ações da “República de Curitiba”, mas ao longo dos anos os braços da investigação em Brasília e no Rio de Janeiro também ganharam notoriedade. Em contrapartida, em São Paulo, o estado mais rico do País, a operação pouco avançou, apesar de diversas figuras políticas de destaque terem sido nomeadas por delatores. Em 2018, esse quadro pode mudar.
Parte das investigações de corrupção em São Paulo é tocada pelo Ministério Público estadual. Em 2017, integrantes do MP-SP chegaram a reclamar publicamente do Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR) e do juiz Sergio Moro, que tocam a Lava Jato original, por não conseguirem o compartilhamento de provas.
Em março daquele ano,, ao menos em parte, a dificuldade derivava da imagem do MP-SP, visto como muito próximo do PSDB, partido que controla o estado há mais de 20 anos. Ao longo desse período, diversas investigações de corrupção envolvendo tucanos ficaram pelo caminho.
Neste contexto, em setembro de 2017, causou surpresa uma notícia publicada pela Folha de S.Paulo. O MP-SP estava se recusando a receber informações reveladas pela Odebrecht ao MPF do Paraná. Os promotores paulistas alegavam que o acordo de leniência (espécie de delação para empresas) travado entre os procuradores federais e a empreiteira era ilegal, por não ter o aval de outras instituições, como a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
O MP-SP rechaçou a acusação de que a recusa fosse uma manobra para atrasar as investigações e proteger tucanos. De fato, o MPF-PR, ao tratar da leniência, avançou o sinal e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que revisa as decisões da primeira instância de Curitiba, ao notar que faltava aos acordos a chancela da CGU e da AGU, os considerou irregulares.
A solução encontrada pelo MP-SP foi fazer acordos pontuais com a Odebrecht, por meio da lei de autocomposição, um mecanismo semelhante à leniência. O primeiro resultado prático foi divulgado em dezembro passado, com o ajuizamento de quatro ações de improbidade administrativa contra o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, atualmente ministro da Ciência e Tecnologia de Michel Temer. Segundo o MP-SP, a empresa, entre 2008 e 2012, repassou a Kassab mais de 21 milhões de reais como caixa 2, oriundos de irregularidades em obras tocadas pela empreiteira na capital paulista.
Entre ações e inquéritos civis, o MP-SP tem atualmente 28 processos abertos relacionados à Lava Jato, a maioria envolvendo as campanhas de políticos relevantes do estado de São Paulo e da capital. No caso do PT, estão na lista o ex-prefeito Fernando Haddad e os ex-ministros José Genoino e Alexandre Padilha, que disputaram o governo estadual em 2002 e 2014, respectivamente.
A maior parte dos alvos é, no entanto, ligada ao PSDB. Aparecem na lista o senador José Serra; o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, que é senador por São Paulo; além de parlamentares e ex-parlamentares como José Aníbal, José Ricardo Franco Montoro, Edson Aparecido, José Antonio Barroz Munhoz e Roberto Massafera.
Há ainda inquéritos a respeito de obras do governo estadual, como as linhas 2-Verde e 5-Lilás do metrô, sem contar investigações contra executivos de empresas públicas paulistas. Nesta lista estão Paulo Vieira de Souza, o “Paulo Preto”, ex-diretor da Dersa, apontado como arrecadador de campanha tucana, além de ex-diretores do metrô, como Sérgio Correa Brasil e Paulo Celso Mano Moreira da Silva.
Um inquérito espinhoso para o PSDB é que o trata sobre a duplicação da Rodovia Mogi-Dutra, em São Paulo. Anotações apreendidas pela Polícia Federal indicam um suposto pagamento de propina de 5% num contrato para obras de duplicação da rodovia, cujo valor total era de 68 milhões de reais. O beneficiado pelo esquema seria um agente público identificado nos documentos pelo codinome “Santo”. Segundo a revista Veja, esse seria o codinome do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, provável candidato do partido ao Planalto.
O andamento dessas ações vai indicar o apetite do MP-SP para investigar tucanos. Em 16 de janeiro, um indicativo importante foi dado. O procurador-geral de Justiça do estado, Gianpaolo Poggio Smanio, denunciou o deputado estadual Fernando Capez, integrante do PSDB e ex-presidente da Assembleia Legislativa paulista. Ele é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro no caso conhecido como “máfia das merendas”.
MPF
Além do MP estadual, os desdobramentos da Lava Jato também transcorrem no Ministério Público Federal de São Paulo, responsável pela área criminal. Há coincidências de ações entre as duas instituições, pois alguns casos envolvem verbas estaduais e federais e também podem ser divididas nas esferas cível e criminal.
O material com o qual o MPF trabalha é oriundo da chamada “lista de Fachin”, divulgada em abril de 2017 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato na corte.
Na ocasião, Fachin remeteu a outras instâncias do Judiciário mais de 200 petições com informações passadas pelos delatores da Odebrecht, em especial o presidente do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, e seu pai, Emílio Odebrecht. A maioria das citações diz respeito a caixa 2 de campanha, o que, na visão do Ministério Público, é dinheiro de propina.
Das centenas de petições de Fachin, 29 foram enviadas ao MPF-SP, que declinou de cinco delas e as remeteu às instâncias devidas. As outras 24 foram distribuídas entre procuradores da capital paulista (16) e do interior (8).
Até janeiro, a força-tarefa da Lava Jato do MPF-SP tinha apenas três procuradores – Anamara Osório Silva, Thaméa Danelon e Thiago Lacerda Nobre. Era um número pequeno de integrantes se comparado a outras forças-tarefa. A do MPF-PR, por exemplo, tem 11 integrantes, enquanto a do MPF-RJ tem dez. Na semana passada, no entanto, o Conselho Nacional do Ministério Público confirmou a ampliação da força-tarefa paulista, que conta agora com 11 nomes.
Foram acrescentados ao grupo as procuradoras regionais da República Adriana Scordamaglia e Janice Ascari, que assessorou Rodrigo Janot nos processos criminais no STF, e os procuradores da República Ana Cristina Bandeira Lins, André Lasmar, Daniel de Resende Salgado, Guilherme da Rocha Göpfert, Lúcio Mauro Carloni Fleury Curado e Luís Eduardo Marrocos de Araújo.
Como no caso do MP-SP, as investigações do MPF-SP também têm potencial para colocar a política paulista de cabeça para baixo. Petistas como Fernando Haddad e Alexandre Padilha têm a companhia de tucanos como Barros Munhoz e José Aníbal, além de obras tocadas por governos do PSDB, como a da Linha 2-Verde do metrô paulistano e a construção da rodovia Carvalho Pinto.
No interior, a Lava Jato paulista também pode causar estrago. São alvo de investigações ex-prefeitos de cidades como Guarulhos, São José dos Campos, Limeira e Mogi Guaçu. Em alguns casos, fica claro o caráter “ecumênico” das denúncias.
Em Sumaré, por exemplo, a Odebrecht teria feito pagamentos via caixa dois à ex-prefeita tucana Cristina Carrara (PSDB) e ao petista Francisco de Assis Pereira Campos, o “Professor Tito”. Em São Carlos, os ex-prefeitos Osvaldo Barba (PT) e Paulo Altomani (PSDB) também são investigados. É o mesmo caso de Rio Claro. Constam na lista o ex-prefeito Du Altimari, do PMDB, a ex-vice-prefeita Olga Salomão, do PT, e o ex-prefeito Nevoeiro Junior, do DEM.
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