Por Murilo Matias
De Bogotá (Colômbia)
A “Colômbia Humana” de Gustavo Petro encheu a praça Bolívar de Bogotá na mais expressiva demonstração de apoio popular poucos dias antes da eleição do domingo 27 que definirá o próximo presidente do país.
Durante duas horas, o candidato que renova a esperança de mudanças profundas defendeu a construção de uma era de paz a partir da manutenção do acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e do desenvolvimento de políticas públicas capazes de reduzir a concentração de renda.
Rodeado por apoiadores, Petro, alvo de um atentado a tiros durante um ato realizado em Cúcuta, lembrou do assassinato de outros líderes sociais históricos, entre eles Carlos Galan, e denunciou a atuação de grupos paramilitares e de narcotraficantes ligados às elites nacionais.
“Somos governados por máfias e isso basta. Vamos acabar com a ditadura da corrupção, trocar o dinheiro fácil pelo dinheiro trabalhado. Não podemos seguir com essa Colômbia, é hora de encerrar dois séculos de guerra e iniciar tempos de paz”.
Para além da violência política que sempre marcou o território colombiano, o ex-prefeito de Bogotá convocou os cidadãos a atuar como fiscais eleitoras a fim de garantir a transparência no processo de votação.
Durante a apuração, a ideia é que os militantes concentrem-se em lugares públicos para denunciar qualquer possibilidade de fraude que tenha por objetivo deter a onda progressista após oito anos do governo conservador de Juan Manuel Santos.
“Fazia muitos anos que não se via essa efervescência cidadã e a possibilidade real de ganhar a presidência. Encerramos as manifestações públicas com as praças lotadas em nossas quatro grandes cidades, Bogotá, Cali, Medellín e Barranquilla, afora atos em outras 80 localidades. Despertou-se uma força que é também um mensagem de esperança a toda região”, comenta a senadora Glória Florez.
A chance de um projeto em favor da inclusão social chegar pela primeira vez ao poder é ameaçada pela criminalização da esquerda e pela distorção que preconceituosamente sugere uma “venezuelização” colombiana, discurso repetido diariamente pelos principais meios de comunicação locais, especialmente pelas poderosas redes de televisão Caracol e RCN.
“Nosso tempo histórico sugere que não falemos mais na divisão entre direita, centro e esquerda. Acreditamos na existência de um movimento pela vida e um movimento pela morte”, opina Jairo Pineda, coordenador da campanha do Movimento Progressista.
Petro conhece a perseguição dos meios de comunicação e da elite. O ex-prefeito de Bogotá, capital com oito milhões de moradores, construiu escolas modelos e reduziu a pobreza, mas acabou afastado do cargo por supostas irregularidades no cancelamento do contrato de empresas privadas que controlavam o recolhimento do lixo. A tentativa de golpe durou apenas quatro meses. Uma decisão da justiça determinou seu retorno ao cargo.
A reestatização de serviços públicos e a limitação à circulação de automóveis são dois legados do prefeito e dividiu a cidade. A resistência das classes altas consolidou-se em grupos conservadores ligados a igrejas cristãs e evangélicas, de maneira que a campanha de Petro e sua vice Angela María criaram o contraponto sintetizado na mensagem “Quem vota por Petro não vai para o inferno”.
“Petro fala para as classes baixas e médias sobre igualdade e do momento para uma nova política. Quando dizem que, se ganharmos, vamos nos transformar em uma Venezuela, penso que o problema não é esse, e sim a Colômbia continuar nessa passividade”, analisa a produtora cultural Exlendy Sinisterra, de Letícia, na fronteira com o Brasil.
O rompimento da direita
O rompimento de canais da represa de Hidroituango, localizada na parte ocidental do país, transformou-se em uma metáfora da ruptura no campo conservador colombiano.
A obra, aprovada quando Álvaro Uribe era presidente, começou a ser erguida por Santos com a expectativa de ser a maior geradora de energia. Caminha para tornar-se, porém, prova do fracasso das políticas ambientais das gestões recentes, eficientes em vender o patrimônio nacional e em privilegiar a exploração de poços de petróleo e reservas de água e carvão.
A relação de negligência com os povos originários, forçados muitas vezes a deixar suas terras, está entre os pontos criticados por defensores dos direitos humanos, que contabilizam ainda a morte de mais de 500 ativistas sociais ao longo dos últimos anos, de acordo com o Sistema de Informação sobre Agressões contra Defensores Defensoras de Direitos Humanos na Colômbia.
Uma senadora chegou a propor a construção de muros na localidade de Cauca para evitar o deslocamento das etnias. A superlotação de presídios e o encarceramento de 19 mil jovens no período recente expõem a dificuldade enfrentada pelos mais pobres. O país tem o menor salário mínimo da região, aproximadamente 800 reais, apesar da melhora dos indicadores econômicos nos últimos anos.
“O preço da comida não é tão alto, mas somado ao aluguel, às contas de luz e água fica impossível de viver. Preciso trabalhar em dois lugares”, relata Maía Ferron enquanto limpa uma loja da operadora Claro, cujo garoto propaganda e astro da seleção colombiana de futebol James Rodriguez leva segundos para ganhar o que um colombiano da classe popular demora meses para receber.
Enquanto aumenta a violência social, a pacificação política desponta no horizonte como a mais relevante marca positiva da presidência em exercício. A negociação de paz estabeleceu o desarmamento da guerrilha, a entrega de propriedades de terras para mulheres que fizeram parte do movimento e a transformação das Farc em partido político com direito a cinco cadeiras na Câmara e outras cinco no Senado. Após abandonar as armas, até o nome das Farc mudou, para Força Alternativa Revolucionária Comum.
“Honramos nossa palavra. Damos fim a guerra, deixamos as armas e somos um partido político em total legalidade. O mínimo que esperamos da parte do Estado colombiano é que cumpra com o firmado e referendado. Que não nos derrubem a paz”, escreveu Rodrigo Londoño Timochenko em 21 de maio.
O racha causado pelo acordo de paz impediu Ivan Duque, apontado pelos críticos como um fantoche do ex-presidente Uribe, de firmar uma coligação com German Vargas Lleras, ministro de Habitação do governo Santos e tradicional representante da oligarquia política.
Ancorada nos 50% de cidadãos que se opuseram ao acordo de paz, Duque lidera as pesquisas com 40% de intenções de votos. “Há diferenças entre Lleras, um estadista, e Duque, que foi senador, mas ainda precisa de experiência. Com Lleras o processo de paz não será fragilizado. Ele foi preparado desde menino para ser presidente”, argumenta uma aliada do ministro, a senadora Rosmery Rosales.
Os candidatos ditos de centro são Humberto de la Calle, protagonista nas negociações de paz, mas com baixo apoio na batalha eleitoral, e Sergio Fajardo, ex-governador de Antioquia que projeta a figura de um líder moderno e alheio a práticas corruptas. Em terceiro lugar em alguns levantamentos, atrás de Duque e Petro, Fajardo sonha em surpreender e credenciar-se ao segundo turno. Mas, como no Brasil, a divisão do país talvez reduza o espaço de manobra de candidatos centristas.
Além das disputas envolvendo os colombianos, a presença significativa de venezuelanos apresenta-se como assunto a ser discutido bilateralmente entre os países vizinhos, com pêndulos migratórios permanentes entre as fronteiras – há alguns anos, exatamente os conflitos militares obrigavam muitos colombianos a buscarem refúgio na Venezuela. Diante de tantos temas na mesa o número alto de eleitores que ainda não decidiu seu voto tem potencial para oferecer surpresas na reta final da disputa. O destino a ser escolhido pode ser uma prévia para avaliar a correlação de forças não somente entre os colombianos, mas também nas decisivas eleições que virão no Brasil e no México, outros dois gigantes latinoamericanos.